OCIOSIDADE
OPCIONAL
“Vai, ó preguiçoso, ter
com a formiga, observa seu proceder e torna-te sábio. Ela não tem chefe, nem
inspetor, nem mestre; prepara no verão sua provisão, apanha no tempo da ceifa
sua comida. Até quando, ó preguiçoso, dormirás? Quando te levantarás de teu
sono? Um pouco para dormir outro pouco para dormitar, outro pouco para cruzar
as mãos no seu leito e a indigência virá sobre ti como um ladrão; a pobreza,
como um homem armado.” (Provérbios 6, 6-11)
É
bem verdade que a situação dos moradores de rua em todo o país é de causar
escândalo para quem tem o mínimo de noção de dignidade. No entanto, se forem
investigadas as causas que levam tantas pessoas a este fim lamentável, será
aberto um amplo leque de razões, das mais variadas: há pessoas que partiram de
situações de violência familiar, há pais e mães de família que por causa da
baixa escolaridade já não encontram mais oportunidades de emprego. Há pessoas
que de tanto sofrer com a seca no sertão apanham a primeira carona que
conseguem para as cidades grandes, mergulhadas numa ilusão que não tardará a
passar. Outras perdem o domínio de si mesmas por causa dos vícios... Mas há uma
classe, ah, uma classe... esta é estranhamente responsável por grande parcela
de indigentes que a cada dia cresce mais para disputar as calçadas: são os
preguiçosos.
Essas
pessoas, embora desprovidas de quaisquer bens materiais, têm a soberba como
matriz de suas vidas e não trabalham nem trabalhariam por nada neste mundo.
Parece ficção acreditar que seres naturalmente inteligentes tenham todo o seu
aparato cognitivo reduzido a dispositivo de sobrevivência porque escolheram a
ociosidade opcional. Preferiram deteriorar sua identidade, viver na auto depreciação
contínua e alimentar seu ego de mendicância.
O
hábito de viver de esmolas e manifestações de piedade, ainda que bem
intencionadas, tem o poder de destruir as pessoas, fazendo-as acreditar que não
são mais humanas, que vivem conforme o “destino lhes dita”, que não passam de
miseráveis fadados a morrer de inanição. Assim criam filhos e netos, estes
ainda com menos condição de pensar na possibilidade de uma vida diferente, uma
vida que possa colher frutos de um trabalho.
Quem
pode, vez ou outra, se aproximar dessas realidades e quem se interessa por desvendar essas histórias de vida, verá
que nem todos os pobres são pobres de espírito, que nem todos os que sentem
fome aceitarão matá-la a todo custo. Pode até se chocar ao ver que muitos que
recebem doações não são gratos pela ajuda, querem exigir quantidade, qualidade,
sabor e marca!
Não
são poucos homens e mulheres que já perderam a perspectiva de vida decente e
que já não se importam com a forma como sobrevivem, sendo até mesmo capazes de
recusar qualquer trabalho digno. Assim, a preguiça é comprovadamente um dos
fatores que levam à mais completa indigência. É doença da alma de difícil cura.
Da mesma forma que o ser humano se adequa a boas realidades é igualmente
adaptável às piores realidades.
Os
moradores de rua que padecem do mal da ociosidade opcional não têm ânimo nem
para cortar grama, nem para carregar uma feira, nem mesmo para limpar o local
onde dormem. Porém, se observassem o trabalho de uma formiga, proativas e
autônomas por natureza, diligentes e precavidas, saberiam que, ao menos em
proporção ao tamanho, poderiam executar tarefas grandiosas que ser-lhe-iam
bastantes para a cura de sua preguiça. Atividades laborais têm o condão de
limpar a alma, de fazer crescer o ser humano e de libertá-lo de suas prisões
interiores. O salário e o que se consegue fazer com ele é mínimo (em todos os
sentidos) diante das mudanças que podem acontecer poderosamente para os que não
desistem de querer um vida melhor. Por isso, vez ou outra, aparecem em
programas televisivos pessoas que deram a volta por cima e transformaram suas
vidas de dor e limitação em vidas prósperas.
Desta
forma, nem todos são vítimas de uma sociedade que exclui, nem todos que moram
na rua, o fazem por falta de oportunidade, e nem todos se dão à chance de sair
das moradas fétidas, simplesmente porque alguns já bateram o martelo para si
mesmos optando por nunca trabalhar, acostumando-se com o grupo X ou Y que virá
trazer comida hoje e decretando sua morte nos níveis social, espiritual,
intelectual, moral e, por fim, físico.
Texto escrito por: Erivandra Marques